Quando Dante e Virgílio, personagens principais da Divina Comédia, chegaram ao inferno, ambos leram nos portais do lugar uma daquelas frases que fariam Oprah Winfrey, grande incentivadora da autoajuda como salvação do mundo, a tirar satisfações com o Capeta pelo conteúdo pouco entusiasta da mensagem de "boas vindas": "Deixais, ó vós que entrais, toda a esperança!". Conforme o Dicionário Aurélio, esperança significa expectativa, fé em conseguir o que se deseja, logo, a ausência generalizada dela, e não se precisa possuir diploma de psicologia ou um best seller na lista dos mais vendidos da Veja para afirmar isso, tende a levar os homens ao desespero, a uma situação mental bastante próxima ao estado de natureza hobbesniano.
Conforme Thomas Hobbes, o estado de natureza é a guerra de todos contra todos, a anarquia gerada pela ausência de um governo capaz de minimizar o egoísmo e as demais paixões que movem os homens. A falta de esperança e perspectiva para a população haitiana, mostrada diariamente na imprensa internacional, parece ter trazido o Haiti de volta ao estado de natureza hobbesniano, apesar da presença da ONU e das ONG's no país. As pessoas do país, agora mais famintas e com menos empregos depois do terremoto, vivem mais um trágico capítulo da história do Haiti, nação que mesmo com um começo aparentemente promissor, tranformou-se, atualmente, num lugar de horrores, onde se aguarda a hora de morrer entre o lixo, os porcos e um cheiro onipresente de gangrena. Porém, para uma melhor compreensão da situação haitina contemporânea, faze-se necessário uma olhada para a história daquela nação antilhana.
Ex-colônia francesa, o Haiti, localizado na porção oeste da Ilha de Hispaniola, era conhecido como a Pérola das Antilhas, pois fornecia substanciais lucros à Metrópole europeia graças ao plantio de café, algodão e, sobretudo, cana -de- açúcar. Contudo, após sangrentos conflitos, que levaram ao massacre de praticamente toda a população branca do país, em 1804, o Haiti tornou-se o primeiro Estado independente da América Latina. A maioria absoluta da população descende de escravos, dessa maneira, o Haiti é o único país formado por africanos longe da África. De fato, trata-se de uma república negra nas Américas, pois 95% da população é composta por negros, 4,9% de mulatos e somente 0,1% de brancos.
Porém, apesar de deter o título de primeira colônia latino-americana a romper com a metrópole europeia, o Haiti caracteriza-se pela instabilidade política desde então. Logo, golpes e contragolpes, revoluções e matanças em geral são corriqueiros na história desse país que faz fronteira, na sua porção leste, com a República Dominicana.
Entre os fatos mais marcantes da história do país, com certeza, encontra-se a ocupação promovida pelos Estados Unidos em solo haitinano, entre os anos de 1915 e 1934. Seguindo a ufanista concepção do Destino Manifesto e a intervencionista Política do Big Stick, os norte-americanos, motivados por fatores geopolíticos e econômicos, praticamente transformaram o Haiti numa colônia de Washington. Entretanto, com a Política da Boa Vizinhança, implementada pelo presidente norte-americano Franklin Roosevelt, em 1934, as tropas dos Estados Unidos deixaram o Haiti.
Em 1957, inicia-se outra época digna de nota no Haiti, a Era Duvalier. A partir da ascensão de François Duvalier ao poder, conhecido como Papa Doc, o autoritarimso continuou seu caminho no Haiti, pois auxiliado pelos tonton macoutes, uma milícia que aterrorizava a população, o presidente promoveu uma feroz perseguição contra os mulatos, situação que motivou a um intenso fluxo de saída de pessoas do Haiti, especialmente para os Estados Unidos, o Canadá e a França. Com a morte François Duvalier, em 1971, tranferiu-se o poder para seu filho Jean Claude, o Baby Doc. Nesse contexto, o Haiti transformou-se numa república hereditária, com um presidente vitalício. Entretanto, com a deterioração da situação socioeconômica e política do país, em 1986, Baby Doc foi deposto por um golpe militar.
Alvo de pressões internas e externas, anos depois, os militares consentiram com a organização de eleições, que se realizaram no final de 1990. Em dezembro de mesmo ano, o padre esquerdita Jean Bertrand Aristide, ligado à Teologia da Libertação, foi eleito presidente do país. Porém, poucos meses depois, mais exatamente em setembro, Raul Cédras, Chefe das Forças Armadas, liderou mais um golpe militar no Haiti, inaugurando mais um governo autoritário, o qual se estendeu até 1994. Destaca-se que o fim deste governo deu-se graças às pressões e embargos promovidos pela ONU, bem como em virtude da ocupação militar promovida pelos Estados Unidos no Haiti.
Contudo, a crise haitiana mais recente, que levou à implantação da MINUSTHA (Missão das Nações Unidas para o Haiti), liderada, atualmente, pelo Brasil, iniciou com a renúncia (ou deposição, depende o ponto de vista) de Aristide em 2004, que havia sido reeleito presidente em 2000. Porém, esta questão comentar-se-á na próxima postagem.
Aguardando a próxima postagem.
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