quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A União Europeia e os PIIGS

No imediato pós-guerra, quando estadistas e diplomatas europeus começaram o processo de integração que deu origem à União Europeia, talvez, não imaginaram a proporção que o bloco ganharia no mundo contemporâneo. Com 27 países, um PIB de aproximadamente U$ 15 trilhões e uma população de 495 milhões de habitantes, a União Europeia tornou-se um ícone no processo de integração no atual estágio do capitalismo. Iniciado como uma maneira de aumentar a interdependência entre os países europeus e assim evitar uma nova guerra de grandes proporções entre eles, bem como para cooperar na contenção do comunismo, a União Europeia, ao longo de seus pouco mais de 50 anos (o marco inicial é o Tratado de Roma, 1957, que criou a Comunidade Econômica Europeia) vive oscilando entre momentos de êxtase e frustração.
Desde a inclusão de países do leste europeu no processo de integração (isto a partir do início século XXI), os problemas ganharam diferentes e maiores proporções. Logo, questões como a xenofobia, os movimentos migratórios interbloco e a diversidade cultural entre as nações membras provocaram o aumento de questionamentos sobre os benefícios da União Europeia para seus membros, principalmente em relação à capacidade do organismo supranacional em colaborar para a resolução dos problemas europeus, como o baixo crescimento econômico e o envelhecimento populacional.
Porém, no momento atual, os países que mais provocam problemas para o bom andamento da integração europeia não estão no antigo lado comunista da "cortina de ferro", mas, sim, são aqueles que a imprensa internacional agrupou na pouco elogiosa, porém, significativa sigla "PIIGS", um claro trocadilho entre os nem um pouco asseados suínos e Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, países que, nos últimos anos, tratam a saúde fiscal de seus orçamentos como verdadeiros chiqueiros, mesmo sendo parte do grupo dos 16 Estados do Velho Continente que adotaram o Euro como moeda. De fato, os "PIIGS" estão muito mais para os preguiçosos Cícero e Heitor (os porquinhos das casas de palha e madeira) que para o responsável e dedicado Prático (o porquinho da casa de cimento e tijolos).
Nesse quadro, a Grécia é o país que vive a situação mais delicada. Com a retração econômica dos últimos anos, as contas fiscais gregas entraram em colapso, ou seja, a Grécia registrou um buraco de 12,7% do PIB nesse item, quando as regras do Tratado de Maastricht (documento que fez a transição da Comunidade Econômica Europeia para a União Europeia, estabelecendo a criação de uma moeda única no bloco, datado de 1992) estipulam o teto de 3% do PIB. Numa situação normal, isto é, se os gregos fossem os responsáveis pela condução de sua política econômica (o que não é possível por tal tarefa ser atribuição do Banco Central Europeu), o governo nesse estágio poderia adotar medidas monetárias usando a inflação para reduzir a dívida, ou de política cambial, para aumentar a competitividade externa de seus produtos. Porém, os países que adotaram o Euro perderam tais instrumentos. No caso grego, portanto, o que sobra é esperar a ajuda de países como a Alemanha e a França, um auxílio que deve ser na casa de 25 bilhões de euros para ser eficaz. Contudo, o empréstimo patrocinado pelas potências europeias não acontecerá se os gregos não aumentarem a idade para a aposentadoria no país (hoje 63 anos), assim como não elevarem impostos e cortarem investimentos para diminuir o déficit nas contas fiscais, medidas que, aliás, possuem um custo político interno gigantesco.
Na Espanha, por sua vez, a taxa de desemprego é a maior da Europa, ou seja, 18,5%, assim como o déficit fiscal encontra-se na casa de 12,5%. A Irlanda, que conseguiu um espetacular salto econômico na década de 1980, a ponto de receber a alcunha de "Tigre Celta", amargou no ano passado um encolhimento de seu PIB de 7,3% e, atualmente, tem uma taxa de desemprego de 12,6%. No que diz respeito a Portugal, o país conta com uma taxa de desemprego de 9,2% e um déficit na casa de 9,7%. Nem a antes poderosa Itália (embora Eric Hobsbawm diga que os italianos sempre tiveram mais fome que dentes...) escapou dessa crise aguda, pois os italianos sofrem com problemas demográficos por possuírem uma população demasiadamente idosa e também, gradativamente, perdem competitividade na economia internacional em meio a sucessicos desastrosos governos.
E o Brasil nesse contexto? Com o espaço para crescimento econômico dentro da Europa limitado, as grandes companhias europeias voltam-se cada vez mais para os países emergentes, dessa maneira, o Brasil ganha importância, pois tende a receber mais investimentos de empresas oriundas do Velho Continente. Os exemplos das francesas Carrefour e Renault e da sueca Volvo, empresas que tiveram um expressivo aumento de sua atuação no Brasil no último ano, atestam a tendência de expansão de gupos europeus em solo brasileiro.
De fato, a situação da União Europeia não é das melhores. Engessada por políticas sociais e trabalhistas rígidas, bem como excessivamente dependente do mercado interno e sob o peso de economias frágies, a saída para o bloco não se desmanchar como um sacolé no sol de fevereiro passa pela realização de reformas estruturais, assim como pelo respeito às normas estabelecidas pelo Tratado de Maastricht e pelo freio na expansão de países membros que adotem o Euro como moeda. Portanto, enquanto a União Europeia seguir adotando como membros da zona do euro porcos em pele de cordeiro, ou seja, economias frágies em demasia para a acompanhar o ritmo dos países mais estáveis do bloco, tornar-se-á impossível a construção daquela casinha de tijolos que Jean Monet e Robert Schumann, ministros fundadores do processo integração europeu, tanto queriam para o Velho Continente.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Pelo bem das ovelhas: os problemas da segunda chance

O recente escândalo protagonizado pelo governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, leva-me a algumas reflexões a respeito das segundas chances que a vida proporciona às pessoas e como as mesmas são aproveitadas. Vejamos o caso do político brasiliense. Em 2001, Arruda, juntamente com Antônio Carlos Magalhães, outra "fina flor da política brasileira", foi acusado de violar o painel do Senado Federal na votação da cassação do então senador Luiz Estevão. Utilizando-se das brechas na legislação, Arruda renunciou para não perder o mandato, bem como para não ter seus direitos políticos suspensos por oito anos. No entanto, na eleição seguinte, isto é, em 2002, o político em questão candidatou-se e elegeu-se para uma vaga na Câmara Federal, sendo um dos deputados mais votados do Distrito Federal. Em 2006, a consagração, a vitória que marcava a definitiva (pelo menos até o STJ decretar sua prisão) volta triunfal de Arruda: elegeu-se governador do Distrito Federal. Bem, o final da história todos já conhecemos...
Contudo, o mais preocupante dessa questão é o fato de Arruda não ser a exceção, pois Fernando Collor de Melo (hoje Senador da República, presidente da Comissão de infraestrutura do Senado), José Sarney (Presidente do Senado) e José Dirceu (ex-Chefe da Casa Civil e Deputado Federal por São Paulo), apenas para citar os três nomes mais conhecidos, também fazem parte daqueles grupos de pessoas que ao longo das últimas décadas debocham da democracia e da inteligência da população brasileira (talvez com alguma razão...), acumulando inúmeras denúncias fartamente documentadas, mas também sucessivos mandatos públicos dados pelos eleitores nacionais. De fato, a metáfora mais apropriada para a presente situação é da mulher ou do homem que sofre uma, duas ou três traições de seu marido ou de sua esposa, mas, no final das contas, perdoa o dito (a) cujo (a) na esperança que aconteça uma regeneração por obra do espírito santo ou por algum novo medicamento descoberto pela indústria farmacêutica.
Infelizmente, sinto informar às mulheres e aos homens, bem como aos eleitores de gente como Arruda que "cachorro ovelheiro só matando", ou seja, nem a apariação da Virgem Maria aos beijos e abraços com o Diabo é capaz de mudar o comportamento de cônjuges traidores e de políticos corruptos. Logo, em ambos os casos, na hora deles pedirem uma segunda chance, mesmo que chorem um dilúvio bíblico perante a imprensa ou na frente do magistrado na sessão final do divórcio, devemos sempre lembrar dos cachorros ovelheiros, aqueles mesmos que só matando...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

De volta a Hobbes: o Haiti como filial do inferno

Quando Dante e Virgílio, personagens principais da Divina Comédia, chegaram ao inferno, ambos leram nos portais do lugar uma daquelas frases que fariam Oprah Winfrey, grande incentivadora da autoajuda como salvação do mundo, a tirar satisfações com o Capeta pelo conteúdo pouco entusiasta da mensagem de "boas vindas": "Deixais, ó vós que entrais, toda a esperança!". Conforme o Dicionário Aurélio, esperança significa expectativa, fé em conseguir o que se deseja, logo, a ausência generalizada dela, e não se precisa possuir diploma de psicologia ou um best seller na lista dos mais vendidos da Veja para afirmar isso, tende a levar os homens ao desespero, a uma situação mental bastante próxima ao estado de natureza hobbesniano.
Conforme Thomas Hobbes, o estado de natureza é a guerra de todos contra todos, a anarquia gerada pela ausência de um governo capaz de minimizar o egoísmo e as demais paixões que movem os homens. A falta de esperança e perspectiva para a população haitiana, mostrada diariamente na imprensa internacional, parece ter trazido o Haiti de volta ao estado de natureza hobbesniano, apesar da presença da ONU e das ONG's no país. As pessoas do país, agora mais famintas e com menos empregos depois do terremoto, vivem mais um trágico capítulo da história do Haiti, nação que mesmo com um começo aparentemente promissor, tranformou-se, atualmente, num lugar de horrores, onde se aguarda a hora de morrer entre o lixo, os porcos e um cheiro onipresente de gangrena. Porém, para uma melhor compreensão da situação haitina contemporânea, faze-se necessário uma olhada para a história daquela nação antilhana.
Ex-colônia francesa, o Haiti, localizado na porção oeste da Ilha de Hispaniola, era conhecido como a Pérola das Antilhas, pois fornecia substanciais lucros à Metrópole europeia graças ao plantio de café, algodão e, sobretudo, cana -de- açúcar. Contudo, após sangrentos conflitos, que levaram ao massacre de praticamente toda a população branca do país, em 1804, o Haiti tornou-se o primeiro Estado independente da América Latina. A maioria absoluta da população descende de escravos, dessa maneira, o Haiti é o único país formado por africanos longe da África. De fato, trata-se de uma república negra nas Américas, pois 95% da população é composta por negros, 4,9% de mulatos e somente 0,1% de brancos.
Porém, apesar de deter o título de primeira colônia latino-americana a romper com a metrópole europeia, o Haiti caracteriza-se pela instabilidade política desde então. Logo, golpes e contragolpes, revoluções e matanças em geral são corriqueiros na história desse país que faz fronteira, na sua porção leste, com a República Dominicana.
Entre os fatos mais marcantes da história do país, com certeza, encontra-se a ocupação promovida pelos Estados Unidos em solo haitinano, entre os anos de 1915 e 1934. Seguindo a ufanista concepção do Destino Manifesto e a intervencionista Política do Big Stick, os norte-americanos, motivados por fatores geopolíticos e econômicos, praticamente transformaram o Haiti numa colônia de Washington. Entretanto, com a Política da Boa Vizinhança, implementada pelo presidente norte-americano Franklin Roosevelt, em 1934, as tropas dos Estados Unidos deixaram o Haiti.
Em 1957, inicia-se outra época digna de nota no Haiti, a Era Duvalier. A partir da ascensão de François Duvalier ao poder, conhecido como Papa Doc, o autoritarimso continuou seu caminho no Haiti, pois auxiliado pelos tonton macoutes, uma milícia que aterrorizava a população, o presidente promoveu uma feroz perseguição contra os mulatos, situação que motivou a um intenso fluxo de saída de pessoas do Haiti, especialmente para os Estados Unidos, o Canadá e a França. Com a morte François Duvalier, em 1971, tranferiu-se o poder para seu filho Jean Claude, o Baby Doc. Nesse contexto, o Haiti transformou-se numa república hereditária, com um presidente vitalício. Entretanto, com a deterioração da situação socioeconômica e política do país, em 1986, Baby Doc foi deposto por um golpe militar.
Alvo de pressões internas e externas, anos depois, os militares consentiram com a organização de eleições, que se realizaram no final de 1990. Em dezembro de mesmo ano, o padre esquerdita Jean Bertrand Aristide, ligado à Teologia da Libertação, foi eleito presidente do país. Porém, poucos meses depois, mais exatamente em setembro, Raul Cédras, Chefe das Forças Armadas, liderou mais um golpe militar no Haiti, inaugurando mais um governo autoritário, o qual se estendeu até 1994. Destaca-se que o fim deste governo deu-se graças às pressões e embargos promovidos pela ONU, bem como em virtude da ocupação militar promovida pelos Estados Unidos no Haiti.
Contudo, a crise haitiana mais recente, que levou à implantação da MINUSTHA (Missão das Nações Unidas para o Haiti), liderada, atualmente, pelo Brasil, iniciou com a renúncia (ou deposição, depende o ponto de vista) de Aristide em 2004, que havia sido reeleito presidente em 2000. Porém, esta questão comentar-se-á na próxima postagem.