Certamente, não sou um purista; logo, sempre tive (e provavelmente continuarei tendo) grandes dificuldades para concordar integralmente com doutrinas políticas, religiosas e outras espécies do gênero. A partir daí, encaixar-me em clubes, correntes intelectuais, igrejas ou partidos com estatutos e filosofias relativamente fechados, que colaborariam para eu possuir, talvez, uma identidade políticassocial mais sólida como católico, petista ou qualquer coisa do gênero não faz parte dos meus planos. Logo, penso que dessa forma de ver o mundo descenda parte de minha falta de religiosidade, ou ateísmo como preferem alguns, assim como minha repulsa pela polítca partidária, ou minha alienação como preferem outros.
Também tenho que explicar que descordo daquele princípio maniqueísta, baseado na existência dos bons e dos maus, que norteia as mais variadas ideias e doutrinas, como, por exemplo, o Cristianismo, no campo religioso, e a Doutrina Bush, no que diz respeito à política externa norte-americana. Feito esse breve desabafo inicial, penso que agora encontro-me apto para promover uma avaliação de alguns fatos relacionados à política externa brasileira atual, que, para parte dos analistas e da mídia nacional, merece uma barulhenta reprovação, e para a outra, é um exemplo de pragmatismo e autonomia.
Como pertenço ao grupo de pessoas que prefiro antes as notícias ruins às boas, primeiramente, vamos aos fatos negativos, pelo menos para o meu ponto de vista. É público e notório que a política externa brasileira do presidente Lula nasce de duas vertentes, isto é, de um lado uma diplomacia mais técnica e profissional, liderada pelo competente ministro Celso Amorim, e outra exageradamente ideológica (não há neutralidade em esfera nehuma da vida, daí o uso do termo exageradamente), encabeçada pelo assessor de assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia. Quando a segunda supera a primeira, os problemas começam a prejudicar os interesses do País.
Nos últimos meses, o Brasil tem mantido relações demasiado próximas com alguns países que não trazem substanciais ganhos políticos nem econômicos para o País, se compararmos os danos que tais nações podem causar à imagem internacional do governo brasileiro. Dando nome aos bois, no referido grupo figuram países como Irã, Cuba e Venezuela.
No caso do Irã, na ânsia de mostrar-se com uma diplomacia independente, não alinhada com os centros hegemônicos tradicionais do mundo ocidental (entenda-se Estados Unidos e União Europeia), o Itamaraty exagera no tom e na dose do apoio ao governo fundamentalista xiita de Teerã. Defender o uso da energia nuclear para fins pacíficos e a autonomia dos programas para o enriquecimento de urânio de países subdesenvolvidos, isto até os limites propostos pelo Tratado de Não-Proliferaação Nuclear, tudo bem; porém, acreditar que o Irã dos Aiatolás apenas tem objetivos voltados à filosofia paz e amor para o seu programa atômico, ao melhor estilo Hear, ultrapassa a fronteira entre o pragmatismo inteligente de uma diplomacia sul-sul e um comprometimeto desnecessário, próximo à intransigência purista, criando, com isso, problemas que não existiam com outros centros de poder no mundo.
Quanto à Venezuela e à Cuba, a questão é a mesma: declarações no mínimo infelizes por parte de membros do primeiro escalão do governo destacando o caráter democrático dos referidos países. Honestamente, quando Marco Aurélio Garcia ou mesmo o presidente Lula emitem certas declarações sobre os dois países, penso que ambos avaliam os contextos venezuelano e cubano influenciados pelo Fantástico Mundo de Bob (para você que não conhece, procure no youtube), enchergando de lá um País das Maravilhas que nem Lewis Carrel conseguiria imaginar para ambientar a história de Alice. Logo, lembrar que a língua é a parte mais sensível do corpo, podendo prejudicar todo o resto do organismo, deveria ser tema de palestra no Palácio do Planalto. Portanto, não é com declarações negando os abusos contra os direitos humanos em Cuba e na Venezuela, ou endossando os excessos do Irã, que o governo brasileiro conseguirá seus principais objetivos em termos de política externa, ou seja, uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e o fortalecimento da presença da diplomacia brasileira nas demais instituições multilaterais (OMC e G-20).
Entretanto, para dizer que eu não falei de flores... vamos à parte que me parece digna de aplausos. De fato, outra temática que envolve a diplomacia brasileira diz respeito à repercussão da vitória nacional contra os Estados Unidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Contextualizando a questão, a OMC (instituição criada pelo Tratado de Marrakesh, em 1994, com a missão de continuar e aprofundar as questões discutidas no âmbito do GATT) foi criada para promover a expansão e a fiscalização do comércio internacional. Para tanto, a OMC conta com o estabelecimento de painéis, os quais, quando acionados, julgam reclamações de países contra outros relacionadas às tarifas protecionistas e aos subsídios. Em um desses painéis, em reclamação feita pelo Brasil, os Estados Unidos foram condenados a retirar os subsídios que fornecem aos seus produtores de algodão, política que, aliás, causa um prejuízo anual aos produtores brasileiros de aproximadamente U$ 829 milhões. Como os estadunidenses não cumpriram o determinado pela OMC, o governo brasileiro está autorizado a retaliar comercialmente os Estados Unidos pela instituição. A partir daí, o Brasil ameaça aumentar tarifas de importação de 102 produtos made in USA, de automóveis a têxteis. Evidentemente que uma medida dessa é uma espécie de tiro no pé, porém, a postura protecionista e intransigente de Washington, pelo menos até o presente momento, não deixa outra alternativa ao Brasil. Entretanto, divulgar, maldosa e erradamente, que a implantaçao efetiva da decisão da OMC pelo governo brasileiro, como grande parte da mídia fez, trará o fantasma da inflação de volta ao consumidor (um dos produtos que o Brasil ameaça aumentar a tarifa é o trigo, uma das matérias prima do pão), não passa de terrorimo econômico ou puxassaquísmo (nem sei se o termo existe) aos interesses norte-americanos no País. A atitude mais firme do governo brasileiro já culminou com o envio de emissários governamentais estadunidenses para uma solução mais civilizada da questão. De fato, o histórico da política externa norte-americana mostra que não é com alinhamento automático e subserviência que se consegue benefícios no contato com os Estados Unidos.
Portanto, a parte da mídia e dos analistas radicalmente contrários ao endurecimento da estratágia brasileira em relação aos Estados Unidos, nesse caso específico, deveria usar menos o adjetivo antiamericana para a diplomacia nacional e estudar mais a história das relações internacionais e, sobretudo, interamericanas dos últimos dois séculos antes de emitir qualquer opinião que possa propagar o pânico econômico no País.