domingo, 14 de março de 2010

A politica externa brasileira e o maniqueísmo nosso de cada dia: ou dos problemas causados pela sensibilidade da língua

Certamente, não sou um purista; logo, sempre tive (e provavelmente continuarei tendo) grandes dificuldades para concordar integralmente com doutrinas políticas, religiosas e outras espécies do gênero. A partir daí, encaixar-me em clubes, correntes intelectuais, igrejas ou partidos com estatutos e filosofias relativamente fechados, que colaborariam para eu possuir, talvez, uma identidade políticassocial mais sólida como católico, petista ou qualquer coisa do gênero não faz parte dos meus planos. Logo, penso que dessa forma de ver o mundo descenda parte de minha falta de religiosidade, ou ateísmo como preferem alguns, assim como minha repulsa pela polítca partidária, ou minha alienação como preferem outros.
Também tenho que explicar que descordo daquele princípio maniqueísta, baseado na existência dos bons e dos maus, que norteia as mais variadas ideias e doutrinas, como, por exemplo, o Cristianismo, no campo religioso, e a Doutrina Bush, no que diz respeito à política externa norte-americana. Feito esse breve desabafo inicial, penso que agora encontro-me apto para promover uma avaliação de alguns fatos relacionados à política externa brasileira atual, que, para parte dos analistas e da mídia nacional, merece uma barulhenta reprovação, e para a outra, é um exemplo de pragmatismo e autonomia.
Como pertenço ao grupo de pessoas que prefiro antes as notícias ruins às boas, primeiramente, vamos aos fatos negativos, pelo menos para o meu ponto de vista. É público e notório que a política externa brasileira do presidente Lula nasce de duas vertentes, isto é, de um lado uma diplomacia mais técnica e profissional, liderada pelo competente ministro Celso Amorim, e outra exageradamente ideológica (não há neutralidade em esfera nehuma da vida, daí o uso do termo exageradamente), encabeçada pelo assessor de assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia. Quando a segunda supera a primeira, os problemas começam a prejudicar os interesses do País.
Nos últimos meses, o Brasil tem mantido relações demasiado próximas com alguns países que não trazem substanciais ganhos políticos nem econômicos para o País, se compararmos os danos que tais nações podem causar à imagem internacional do governo brasileiro. Dando nome aos bois, no referido grupo figuram países como Irã, Cuba e Venezuela.
No caso do Irã, na ânsia de mostrar-se com uma diplomacia independente, não alinhada com os centros hegemônicos tradicionais do mundo ocidental (entenda-se Estados Unidos e União Europeia), o Itamaraty exagera no tom e na dose do apoio ao governo fundamentalista xiita de Teerã. Defender o uso da energia nuclear para fins pacíficos e a autonomia dos programas para o enriquecimento de urânio de países subdesenvolvidos, isto até os limites propostos pelo Tratado de Não-Proliferaação Nuclear, tudo bem; porém, acreditar que o Irã dos Aiatolás apenas tem objetivos voltados à filosofia paz e amor para o seu programa atômico, ao melhor estilo Hear, ultrapassa a fronteira entre o pragmatismo inteligente de uma diplomacia sul-sul e um comprometimeto desnecessário, próximo à intransigência purista, criando, com isso, problemas que não existiam com outros centros de poder no mundo.
Quanto à Venezuela e à Cuba, a questão é a mesma: declarações no mínimo infelizes por parte de membros do primeiro escalão do governo destacando o caráter democrático dos referidos países. Honestamente, quando Marco Aurélio Garcia ou mesmo o presidente Lula emitem certas declarações sobre os dois países, penso que ambos avaliam os contextos venezuelano e cubano influenciados pelo Fantástico Mundo de Bob (para você que não conhece, procure no youtube), enchergando de lá um País das Maravilhas que nem Lewis Carrel conseguiria imaginar para ambientar a história de Alice. Logo, lembrar que a língua é a parte mais sensível do corpo, podendo prejudicar todo o resto do organismo, deveria ser tema de palestra no Palácio do Planalto. Portanto, não é com declarações negando os abusos contra os direitos humanos em Cuba e na Venezuela, ou endossando os excessos do Irã, que o governo brasileiro conseguirá seus principais objetivos em termos de política externa, ou seja, uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e o fortalecimento da presença da diplomacia brasileira nas demais instituições multilaterais (OMC e G-20).
Entretanto, para dizer que eu não falei de flores... vamos à parte que me parece digna de aplausos. De fato, outra temática que envolve a diplomacia brasileira diz respeito à repercussão da vitória nacional contra os Estados Unidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Contextualizando a questão, a OMC (instituição criada pelo Tratado de Marrakesh, em 1994, com a missão de continuar e aprofundar as questões discutidas no âmbito do GATT) foi criada para promover a expansão e a fiscalização do comércio internacional. Para tanto, a OMC conta com o estabelecimento de painéis, os quais, quando acionados, julgam reclamações de países contra outros relacionadas às tarifas protecionistas e aos subsídios. Em um desses painéis, em reclamação feita pelo Brasil, os Estados Unidos foram condenados a retirar os subsídios que fornecem aos seus produtores de algodão, política que, aliás, causa um prejuízo anual aos produtores brasileiros de aproximadamente U$ 829 milhões. Como os estadunidenses não cumpriram o determinado pela OMC, o governo brasileiro está autorizado a retaliar comercialmente os Estados Unidos pela instituição. A partir daí, o Brasil ameaça aumentar tarifas de importação de 102 produtos made in USA, de automóveis a têxteis. Evidentemente que uma medida dessa é uma espécie de tiro no pé, porém, a postura protecionista e intransigente de Washington, pelo menos até o presente momento, não deixa outra alternativa ao Brasil. Entretanto, divulgar, maldosa e erradamente, que a implantaçao efetiva da decisão da OMC pelo governo brasileiro, como grande parte da mídia fez, trará o fantasma da inflação de volta ao consumidor (um dos produtos que o Brasil ameaça aumentar a tarifa é o trigo, uma das matérias prima do pão), não passa de terrorimo econômico ou puxassaquísmo (nem sei se o termo existe) aos interesses norte-americanos no País. A atitude mais firme do governo brasileiro já culminou com o envio de emissários governamentais estadunidenses para uma solução mais civilizada da questão. De fato, o histórico da política externa norte-americana mostra que não é com alinhamento automático e subserviência que se consegue benefícios no contato com os Estados Unidos.
Portanto, a parte da mídia e dos analistas radicalmente contrários ao endurecimento da estratágia brasileira em relação aos Estados Unidos, nesse caso específico, deveria usar menos o adjetivo antiamericana para a diplomacia nacional e estudar mais a história das relações internacionais e, sobretudo, interamericanas dos últimos dois séculos antes de emitir qualquer opinião que possa propagar o pânico econômico no País.

sábado, 6 de março de 2010

O Brasil e a economia do período colonial

De maneira geral, a economia brasileira ao longo do período colonial, basicamente, apresenta seis características principais, as quais, se somadas, colaboram à compreensão dos problemas que o sistema de plantation trazia para o desenvolvimento da então colônia lusitana. A drenagem de renda para o exterior, o latifúndio, o trabalho escravo, a onipresença do Estado mercantilista, bem como a lenta transformação tecnológica e a resitência às inovações são os elementos que em conjunto condicionam as atividades econômicas brasileiras no período em tela.
A inserção do Brasil na economia mundial, a partir do século XVI, aconteceu através da lógica do sistema colonial, a qual colocou a então colônia portuguesa na dependência das decisões políticas e econômicas de homens públicos e negociantes que atendiam aos interesses de Portugal e de suas respectivas empresas. Dessa maneira, definiram-se os contornos de uma economia exportadora de produtos agrícolas, que possuíam um valor agregado absolutamente inferior aos manufaturados importados da Europa. Além disso, à época o Brasil tinha um mercado interno escasso, restrito, nos séculos XVII e XVIII, ao abastecimento do Rio de Janeiro, Salvador e à região mineradora (atuais MG, GO, MT).
Quanto ao latifúndio, deve-se ressaltar o desenvolvimento da monocultura de cana de açúcar e o importante papel da mesma para a criação de uma mentalidade aristocrática nos grandes proprietários rurais. Como pontos explicativos no que diz respeito à concentração fundiária no Brasil Colonial, pode-se mencionar: abundância de terras, a agricultura e a pecuária extensiva (isto é, tecnicamente atrasados), a necessidade dos engenhos possuirem grandes produções e a boa produtividade para viabilizar os preços do açúcar no mercado externo.
Já acerca do trabalho escravo, merece nota a utilização de mão de obra indígena, porém, o uso de ameríndios como trabalhadores cativos aconteceu em pequena proporção se compararmos com o uso de escravos negros no Brasil Colonial. Com referência ao trabalho compulsório indígena, utilizava-se os índios sobretudo nas capitanias de São Vicente e Rio de Janeiro, bem como no Maranhão (séculos XVI e XVII). A respeito da mão de obra escrava negra, sabe-se que se buscava ela na Guiné (séc. XVI), assim como em Angola (século XVII) e em Moçambique (século XVIII). O tráfico negreiro provocava um constante fluxo de rendas para o exterior, estimado em 12,5% da renda gerada pela exportação de açúcar no século XVI. Nesse quadro, como principais consequências do tráfico negreiro pode-se citar: desestímulo aos investmentos para a renovação tecnológica e a formação de um vasto contingente populacional sem poder aquisitivo, questão que, aliás, dificultou a formação de um mercado consumidor interno.
Em relação à preferência portuguesa pela mão de obra negra, tal questão explica-se pelo padrão cultural dos negros encontrar-se mais próximo das necessidades lusitanas, ou seja, os africanos já estavam familiarizados com o sedentarismo, a agricultura e certas atividades artesanais, como a metalurgia e a carpintaria. Outro fato que coopera à explicação do tópico tratado diz respeito à organização do tráfico negreiro em sólidas bases empresariais, dando estabilidade ao fornecimento de escravos negros para os trabalhos necessários na lavoura e no dia-a-dia doméstico. Por fim, convêm mencionar a proibição da Igreja para a escravização dos indígenas, logo, indiretamente, isto aumentou a dependência da mão de obra negra.
A atuação do Estado português também foi importante para definir o papel econômico do Brasil Colonial. A coroa lusitana atuava utilizando-se de duas formas: a primeira tratava de arrecadar recursos; a segunda versava sobre o estabelececimento da proteção da atividade econômica. No primeiro caso, Portugal retirava uma parte da renda líquida colonial através do fisco, isto por meio de uma extensa lista de impostos e tarifas. Já no segundo caso, o Estado atuava impedindo a execução por dívida dos engenhos de açúcar, além de conceder monopólios e estimular diretamente o cultivo de determinado produto.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A União Europeia e os PIIGS

No imediato pós-guerra, quando estadistas e diplomatas europeus começaram o processo de integração que deu origem à União Europeia, talvez, não imaginaram a proporção que o bloco ganharia no mundo contemporâneo. Com 27 países, um PIB de aproximadamente U$ 15 trilhões e uma população de 495 milhões de habitantes, a União Europeia tornou-se um ícone no processo de integração no atual estágio do capitalismo. Iniciado como uma maneira de aumentar a interdependência entre os países europeus e assim evitar uma nova guerra de grandes proporções entre eles, bem como para cooperar na contenção do comunismo, a União Europeia, ao longo de seus pouco mais de 50 anos (o marco inicial é o Tratado de Roma, 1957, que criou a Comunidade Econômica Europeia) vive oscilando entre momentos de êxtase e frustração.
Desde a inclusão de países do leste europeu no processo de integração (isto a partir do início século XXI), os problemas ganharam diferentes e maiores proporções. Logo, questões como a xenofobia, os movimentos migratórios interbloco e a diversidade cultural entre as nações membras provocaram o aumento de questionamentos sobre os benefícios da União Europeia para seus membros, principalmente em relação à capacidade do organismo supranacional em colaborar para a resolução dos problemas europeus, como o baixo crescimento econômico e o envelhecimento populacional.
Porém, no momento atual, os países que mais provocam problemas para o bom andamento da integração europeia não estão no antigo lado comunista da "cortina de ferro", mas, sim, são aqueles que a imprensa internacional agrupou na pouco elogiosa, porém, significativa sigla "PIIGS", um claro trocadilho entre os nem um pouco asseados suínos e Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, países que, nos últimos anos, tratam a saúde fiscal de seus orçamentos como verdadeiros chiqueiros, mesmo sendo parte do grupo dos 16 Estados do Velho Continente que adotaram o Euro como moeda. De fato, os "PIIGS" estão muito mais para os preguiçosos Cícero e Heitor (os porquinhos das casas de palha e madeira) que para o responsável e dedicado Prático (o porquinho da casa de cimento e tijolos).
Nesse quadro, a Grécia é o país que vive a situação mais delicada. Com a retração econômica dos últimos anos, as contas fiscais gregas entraram em colapso, ou seja, a Grécia registrou um buraco de 12,7% do PIB nesse item, quando as regras do Tratado de Maastricht (documento que fez a transição da Comunidade Econômica Europeia para a União Europeia, estabelecendo a criação de uma moeda única no bloco, datado de 1992) estipulam o teto de 3% do PIB. Numa situação normal, isto é, se os gregos fossem os responsáveis pela condução de sua política econômica (o que não é possível por tal tarefa ser atribuição do Banco Central Europeu), o governo nesse estágio poderia adotar medidas monetárias usando a inflação para reduzir a dívida, ou de política cambial, para aumentar a competitividade externa de seus produtos. Porém, os países que adotaram o Euro perderam tais instrumentos. No caso grego, portanto, o que sobra é esperar a ajuda de países como a Alemanha e a França, um auxílio que deve ser na casa de 25 bilhões de euros para ser eficaz. Contudo, o empréstimo patrocinado pelas potências europeias não acontecerá se os gregos não aumentarem a idade para a aposentadoria no país (hoje 63 anos), assim como não elevarem impostos e cortarem investimentos para diminuir o déficit nas contas fiscais, medidas que, aliás, possuem um custo político interno gigantesco.
Na Espanha, por sua vez, a taxa de desemprego é a maior da Europa, ou seja, 18,5%, assim como o déficit fiscal encontra-se na casa de 12,5%. A Irlanda, que conseguiu um espetacular salto econômico na década de 1980, a ponto de receber a alcunha de "Tigre Celta", amargou no ano passado um encolhimento de seu PIB de 7,3% e, atualmente, tem uma taxa de desemprego de 12,6%. No que diz respeito a Portugal, o país conta com uma taxa de desemprego de 9,2% e um déficit na casa de 9,7%. Nem a antes poderosa Itália (embora Eric Hobsbawm diga que os italianos sempre tiveram mais fome que dentes...) escapou dessa crise aguda, pois os italianos sofrem com problemas demográficos por possuírem uma população demasiadamente idosa e também, gradativamente, perdem competitividade na economia internacional em meio a sucessicos desastrosos governos.
E o Brasil nesse contexto? Com o espaço para crescimento econômico dentro da Europa limitado, as grandes companhias europeias voltam-se cada vez mais para os países emergentes, dessa maneira, o Brasil ganha importância, pois tende a receber mais investimentos de empresas oriundas do Velho Continente. Os exemplos das francesas Carrefour e Renault e da sueca Volvo, empresas que tiveram um expressivo aumento de sua atuação no Brasil no último ano, atestam a tendência de expansão de gupos europeus em solo brasileiro.
De fato, a situação da União Europeia não é das melhores. Engessada por políticas sociais e trabalhistas rígidas, bem como excessivamente dependente do mercado interno e sob o peso de economias frágies, a saída para o bloco não se desmanchar como um sacolé no sol de fevereiro passa pela realização de reformas estruturais, assim como pelo respeito às normas estabelecidas pelo Tratado de Maastricht e pelo freio na expansão de países membros que adotem o Euro como moeda. Portanto, enquanto a União Europeia seguir adotando como membros da zona do euro porcos em pele de cordeiro, ou seja, economias frágies em demasia para a acompanhar o ritmo dos países mais estáveis do bloco, tornar-se-á impossível a construção daquela casinha de tijolos que Jean Monet e Robert Schumann, ministros fundadores do processo integração europeu, tanto queriam para o Velho Continente.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Pelo bem das ovelhas: os problemas da segunda chance

O recente escândalo protagonizado pelo governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, leva-me a algumas reflexões a respeito das segundas chances que a vida proporciona às pessoas e como as mesmas são aproveitadas. Vejamos o caso do político brasiliense. Em 2001, Arruda, juntamente com Antônio Carlos Magalhães, outra "fina flor da política brasileira", foi acusado de violar o painel do Senado Federal na votação da cassação do então senador Luiz Estevão. Utilizando-se das brechas na legislação, Arruda renunciou para não perder o mandato, bem como para não ter seus direitos políticos suspensos por oito anos. No entanto, na eleição seguinte, isto é, em 2002, o político em questão candidatou-se e elegeu-se para uma vaga na Câmara Federal, sendo um dos deputados mais votados do Distrito Federal. Em 2006, a consagração, a vitória que marcava a definitiva (pelo menos até o STJ decretar sua prisão) volta triunfal de Arruda: elegeu-se governador do Distrito Federal. Bem, o final da história todos já conhecemos...
Contudo, o mais preocupante dessa questão é o fato de Arruda não ser a exceção, pois Fernando Collor de Melo (hoje Senador da República, presidente da Comissão de infraestrutura do Senado), José Sarney (Presidente do Senado) e José Dirceu (ex-Chefe da Casa Civil e Deputado Federal por São Paulo), apenas para citar os três nomes mais conhecidos, também fazem parte daqueles grupos de pessoas que ao longo das últimas décadas debocham da democracia e da inteligência da população brasileira (talvez com alguma razão...), acumulando inúmeras denúncias fartamente documentadas, mas também sucessivos mandatos públicos dados pelos eleitores nacionais. De fato, a metáfora mais apropriada para a presente situação é da mulher ou do homem que sofre uma, duas ou três traições de seu marido ou de sua esposa, mas, no final das contas, perdoa o dito (a) cujo (a) na esperança que aconteça uma regeneração por obra do espírito santo ou por algum novo medicamento descoberto pela indústria farmacêutica.
Infelizmente, sinto informar às mulheres e aos homens, bem como aos eleitores de gente como Arruda que "cachorro ovelheiro só matando", ou seja, nem a apariação da Virgem Maria aos beijos e abraços com o Diabo é capaz de mudar o comportamento de cônjuges traidores e de políticos corruptos. Logo, em ambos os casos, na hora deles pedirem uma segunda chance, mesmo que chorem um dilúvio bíblico perante a imprensa ou na frente do magistrado na sessão final do divórcio, devemos sempre lembrar dos cachorros ovelheiros, aqueles mesmos que só matando...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

De volta a Hobbes: o Haiti como filial do inferno

Quando Dante e Virgílio, personagens principais da Divina Comédia, chegaram ao inferno, ambos leram nos portais do lugar uma daquelas frases que fariam Oprah Winfrey, grande incentivadora da autoajuda como salvação do mundo, a tirar satisfações com o Capeta pelo conteúdo pouco entusiasta da mensagem de "boas vindas": "Deixais, ó vós que entrais, toda a esperança!". Conforme o Dicionário Aurélio, esperança significa expectativa, fé em conseguir o que se deseja, logo, a ausência generalizada dela, e não se precisa possuir diploma de psicologia ou um best seller na lista dos mais vendidos da Veja para afirmar isso, tende a levar os homens ao desespero, a uma situação mental bastante próxima ao estado de natureza hobbesniano.
Conforme Thomas Hobbes, o estado de natureza é a guerra de todos contra todos, a anarquia gerada pela ausência de um governo capaz de minimizar o egoísmo e as demais paixões que movem os homens. A falta de esperança e perspectiva para a população haitiana, mostrada diariamente na imprensa internacional, parece ter trazido o Haiti de volta ao estado de natureza hobbesniano, apesar da presença da ONU e das ONG's no país. As pessoas do país, agora mais famintas e com menos empregos depois do terremoto, vivem mais um trágico capítulo da história do Haiti, nação que mesmo com um começo aparentemente promissor, tranformou-se, atualmente, num lugar de horrores, onde se aguarda a hora de morrer entre o lixo, os porcos e um cheiro onipresente de gangrena. Porém, para uma melhor compreensão da situação haitina contemporânea, faze-se necessário uma olhada para a história daquela nação antilhana.
Ex-colônia francesa, o Haiti, localizado na porção oeste da Ilha de Hispaniola, era conhecido como a Pérola das Antilhas, pois fornecia substanciais lucros à Metrópole europeia graças ao plantio de café, algodão e, sobretudo, cana -de- açúcar. Contudo, após sangrentos conflitos, que levaram ao massacre de praticamente toda a população branca do país, em 1804, o Haiti tornou-se o primeiro Estado independente da América Latina. A maioria absoluta da população descende de escravos, dessa maneira, o Haiti é o único país formado por africanos longe da África. De fato, trata-se de uma república negra nas Américas, pois 95% da população é composta por negros, 4,9% de mulatos e somente 0,1% de brancos.
Porém, apesar de deter o título de primeira colônia latino-americana a romper com a metrópole europeia, o Haiti caracteriza-se pela instabilidade política desde então. Logo, golpes e contragolpes, revoluções e matanças em geral são corriqueiros na história desse país que faz fronteira, na sua porção leste, com a República Dominicana.
Entre os fatos mais marcantes da história do país, com certeza, encontra-se a ocupação promovida pelos Estados Unidos em solo haitinano, entre os anos de 1915 e 1934. Seguindo a ufanista concepção do Destino Manifesto e a intervencionista Política do Big Stick, os norte-americanos, motivados por fatores geopolíticos e econômicos, praticamente transformaram o Haiti numa colônia de Washington. Entretanto, com a Política da Boa Vizinhança, implementada pelo presidente norte-americano Franklin Roosevelt, em 1934, as tropas dos Estados Unidos deixaram o Haiti.
Em 1957, inicia-se outra época digna de nota no Haiti, a Era Duvalier. A partir da ascensão de François Duvalier ao poder, conhecido como Papa Doc, o autoritarimso continuou seu caminho no Haiti, pois auxiliado pelos tonton macoutes, uma milícia que aterrorizava a população, o presidente promoveu uma feroz perseguição contra os mulatos, situação que motivou a um intenso fluxo de saída de pessoas do Haiti, especialmente para os Estados Unidos, o Canadá e a França. Com a morte François Duvalier, em 1971, tranferiu-se o poder para seu filho Jean Claude, o Baby Doc. Nesse contexto, o Haiti transformou-se numa república hereditária, com um presidente vitalício. Entretanto, com a deterioração da situação socioeconômica e política do país, em 1986, Baby Doc foi deposto por um golpe militar.
Alvo de pressões internas e externas, anos depois, os militares consentiram com a organização de eleições, que se realizaram no final de 1990. Em dezembro de mesmo ano, o padre esquerdita Jean Bertrand Aristide, ligado à Teologia da Libertação, foi eleito presidente do país. Porém, poucos meses depois, mais exatamente em setembro, Raul Cédras, Chefe das Forças Armadas, liderou mais um golpe militar no Haiti, inaugurando mais um governo autoritário, o qual se estendeu até 1994. Destaca-se que o fim deste governo deu-se graças às pressões e embargos promovidos pela ONU, bem como em virtude da ocupação militar promovida pelos Estados Unidos no Haiti.
Contudo, a crise haitiana mais recente, que levou à implantação da MINUSTHA (Missão das Nações Unidas para o Haiti), liderada, atualmente, pelo Brasil, iniciou com a renúncia (ou deposição, depende o ponto de vista) de Aristide em 2004, que havia sido reeleito presidente em 2000. Porém, esta questão comentar-se-á na próxima postagem.